No fogão do Drummond Gêmeos idênticos. Mesmo tipo de piercing na mesma orelha. Cara de garotos - 20 anos completados em maio - e experiência de gente grande - começaram na cozinha do pai aos 11 anos e, quando mais velhos, saíram pelo mundo atrás de aperfeiçoamento. Os dois chefs de cozinha fazem muito mais do que chamar a atenção por sua juventude, o que eles fazem de importante é apontar uma tendência fundamental para os rumos da gastronomia brasileira: uso de produtos locais, cuidado com a técnica e, acima disso, apelo à memória afetiva dos comensais. Carré de leitão glaceado em geleia de cachaça, sobre risoto de quirera (milho quebrado) com folhas de beterraba e queijo da serra da Canastra, é, por exemplo, um prato que significa muito mais do que gastronomia: significa sustentabilidade, com a procura de produtos tidos como secundários, e resgate dos sabores de infância dos mineiros. Essa receita de sustentabilidade e emoção pode ser transferida para qualquer parte do país, afinal de contas. E quem são os Basile? Os idênticos Fernando e Juliano têm personalidades diferentes. Um é mais falante e o outro é mais reservado e temperamental. Não perguntem quem. Na cozinha os dois são extremamente focados e realmente não dá para distingui-los. Atualmente, comandam a cozinha do Le Gourmet Bistrot, na pequeniníssima Gonçalves - cidade turística próxima a Campos do Jordão, mas já dentro de Minas Gerais. São filhos de Antonio Basile e Elizabeth, que tinham tempos atrás um bistrozinho de mesmo nome em Arraial d'Ajuda, na Bahia. Hoje, os pais só comandam a cozinha quando eles estão fora.
Fogão do Drummond I Os garotos nasceram quando o casal já havia se mudado para São Paulo, mas uma nova mudança para o interior de Minas definiu o rumo futuro deles. O novo Le Gourmet serviu de escola da vida e de experimentação para os dois. Mais velhos um pouco, procuraram aperfeiçoamento na Escola de Artes Culinárias de Laurent Suaudeau e no Senac, em São Paulo. Estágios no D.O.M., de Alex Atala, e uma "fuga" para a Espanha foram os passos seguintes. A passagem europeia, com destaque para a temporada nas cozinhas de Carme Ruscalleda e de Martin Berasategui, marcou a técnica deles, embora se definam como seguidores da culinária francesa. "Nossa cozinha é a clássica francesa, focada nos pratos de autor", diz Fernando.
Fogão do Drummond II Os Basile fizeram sua primeira performance para públicos maiores na semana passada. Além de assinarem o jantar de abertura do Festival de Gastronomia de Tiradentes, que foi oferecido segunda passada no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, os dois mostraram inventividade e emoção no festim promovido pelo festival no sábado. Iniciaram com salmorejo em espuma com jamón de pato, dando uma dica da pegada espanhola. O kebab de angola guarnecido de molho de pimenta biquinho e molho de café fez o caminho de volta para o interior mineiro. O caldo catalão de suíno, a seguir, misturou tudo. Seguiu-se então o carré de leitão - de olhos fechados, dava para sentir o cheiro da avó à beira do fogão de lenha, um arquétipo que persegue e assombra a memória de todos. A mesma coisa para as sobremesas. Cupcake de puba e flocos de coco com glacê de milho; zabaione frio de capuccino e um muito delicado bombom de azeite e licor de pequi. Gosto das terras do Cerrado, das terras do café, das terras do leite. E Minas Gerais deixa de ser só um retrato que Drummond tinha na parede. Por alguns instantes deixa de doer na memória e se transfigura em realidade, em comida.
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